quinta-feira, 26 de junho de 2008

Interactividade: As Receitas e Modelos de Negócio

Com a interactividade, a TV conseguiu receitas directas do seu público, “vendendo” serviços de valor acrescentado aos telespectadores. As receitas têm registado crescimentos contínuos, representando uma quota assinalável dos resultados das empresas de TV.

SMS – O modelo de negócio

Em Portugal, as primeiras experiências da “nova” interactividade utilizaram o SMS. Através de um contrato com cada operador móvel, as televisões (ou parceiros responsáveis pelo serviço) asseguram um large account(LA)/short number, ou seja, um número de 4 dígitos com um preço diferenciado, normalmente entre os 0,20 € e os 2,00 €. As televisões garantem um revenue share sobre as receitas de cada LA. Com o pretexto de que a partilha de receitas reduz o valor disponível dos clientes para efectuar chamadas (receita total dos operadores), a partilha sempre foi bastante reduzida, além disso, é ainda cobrado tráfego aos detentores de cada LA, por cada SMS recebido (MO-mobile originated) e por cada SMS enviado (MT-mobile terminated), num montante próximo dos 0,05 €. Apesar de terem melhorado, inicialmente a partilha para a TV podia ser bastante reduzida. Supondo um SMS com PVP de 0,25 €, com o envio de uma SMS de resposta e uma partilha de 50%, a receita líquida para a TV seria de aproximadamente 0,05€ [(0,25€ - 20%IVA – 0,05€(MO)) * 50% – 0,05€(MT)] . Raramente a partilha efectiva para as TV’s ultrapassava os 50%. No caso dos LA de 0,50 €, um dos preços mais usuais para serviços de interactividade, a partilha para as TV’s rondava, em média, os 35% do PVP sem IVA.

IVR – O modelo de negócio

Com a legislação a bloquear o acesso aos números de valor acrescentado tradicionais, os números iniciados em 760 (site ANACOM: http://www.anacom.pt/template12.jsp?categoryId=2388), cuja característica é a existência de um preço fixo de 0,60 € (+ IVA) independentemente da duração da chamada, trouxeram novas possibilidades de negócio com uma partilha bem mais favorável, comparativamente aos SMS. Dos 0,60 €, nunca a partilha para a TV fica aquém dos 0,40 €, ou seja, mais de 66% do PVP.Ao contrário dos SMS, em IVR não existirá um contrato com cada operador mas apenas um único com a entidade detentora do número, atribuído pela ANACOM.
Para além do prefixo 760, com um preço fixo de 0,60 €, foram atribuídos os prefixos 761 e 762 com preços de 1,00 € e 2,00 € respectivamente.
Muitos serviços “migraram” de SMS para IVR quando este serviço foi inicialmente disponibilizado pela Jazztel/ARtelecom.

SMS vs IVR – A diferença Tecnológica e de Modelo de Negócio

Em IVR apenas existe um contrato, uma vez que o número pertence a uma única entidade e, qualquer que seja a rede de origem, é feito o reencaminhamento para o destino, ou seja, existe apenas uma negociação de partilha, com o detentor do número. No caso dos SMS, na prática, trata-se de um número LA contratado em cada operador que por conveniência e facilidade de comunicação ao público é o mesmo, por exemplo: 4545. Cada operador recebe, no seu SMSCenter (smsc), os SMS originados na sua rede e reencaminha-os para a gateway da TV (ou de qualquer parceiro tecnológico) que processa o serviço e devolve uma resposta (MT) se for esse o caso. Deste modo, ao contrário do IVR, cada operador negoceia a percentagem do “valor acrescentado” que retém e que liberta para a TV.
No caso dos SMS, pode dar-se o caso de o mesmo serviço ter números de acesso diferentes consoante a rede de origem e mesmo preços diferentes. Apesar de não suceder em Portugal, esta situação verifica-se em vários países e, obviamente, é um problema para a comunicação e promoção.

Em Portugal o IVR regista maiores níveis de participação que o SMS. Com um modelo de negócio muito mais rentável e a maior facilidade de utilização para o público, rapidamente o IVR se assumiu como o principal instrumento na implementação de serviços interactivos.

A Criatividade como factor fundamental do Negócio

A capacidade em lidar com as condicionantes tecnológicas, legislativas e socioculturais será um importante factor de contribuição para o sucesso dos serviços interactivos.
O primeiro obstáculo em Portugal é o legislativo; os serviços não podem ser considerados jogo de “fortuna ou azar” (Artigo 159.º do Decreto-Lei nº. 10/95). Esta condicionante implica um cuidado muito especial na concepção dos serviços.
Em termos tecnológicos, Portugal é um pequeno país e não se colocam questões válidas para mercados com outra dimensão, como o caso do Brasil, onde seria completamente injusto realizar um passatempo com base no tempo de resposta…
Já a dimensão pode trazer outras vantagens, como o caso do portal de voz do SBT (TV Brasil), onde, na inexistência de números de valor acrescentado, utilizámos um número de longa distância (outro estado) localizado num dos estados menos populosos, para conseguir um modelo de partilha sobre as chamadas recebidas.
Um outro problema surge com as condicionantes impostas pelos players do mercado, como é o caso dos operadores móveis e a reduzida revenue share que permitem aos seus parceiros em SMS. O principal argumento, de que o valor dispendido em serviços interactivos vai reduzir o valor utilizado em chamadas oferece algumas dúvidas, como exemplo, temos os chats de teletexto; muitos dos utilizadores têm cartões de telemóvel próprios para aquela “brincadeira”, ou seja, carregam os seus cartões com o intuito específico de participar no serviço. Seria relativamente fácil aos operadores avaliar este ponto. Também o facto de muitos serviços terem migrado para o IVR retirou receitas aos operadores móveis. A ser verdade o argumento de que penaliza os consumos em chamadas, ao participar num serviço IVR, o cliente penaliza duplamente o operador móvel; utilizando o valor num serviço de valor acrescentado, relativamente ao qual o operador não tem qualquer receita para além do tráfego e utilizando um valor que seria dispendido em comunicações.

É certo que efectuar uma chamada telefónica será sempre mais simples e fácil que enviar um SMS, no entanto, existirão sempre inúmeros serviços passíveis de realização via SMS e inviáveis via IVR. A reduzida revenue share dos operadores móveis apenas limita a utilização e o desenvolvimento de serviços utilizando esta tecnologia.

Apesar de nem sempre as grelhas apresentarem as condições, à primeira vista, ideais para a interactividade, a criatividade e adaptabilidade às condições existentes, são os factores diferenciadores. A SIC introduziu este ano um passatempo interactivo nas suas novelas, formato tradicionalmente não considerado para este tipo de serviços.

Os Resultados em Portugal

As receitas de 2007 da área de Multimédia da SIC, onde está integrada a interactividade, representaram 11,5% do total de receitas da estação, num valor que ascende aos 21 milhões de euros.
Na RTP, os resultados da área Multimédia, área responsável pela interactividade, no primeiro semestre de 2007 (os resultados anuais não foram ainda fechados) ascendiam a 9 milhões de euros (inclui receitas com canais cabo). Importa realçar que, na estrutura de receitas da RTP, cerca de 75% têm origem na indemnização compensatória do estado e contribuição audiovisual, podendo uma avaliação da performance da multimédia, através do seu peso nas receitas, induzir em erro. De notar que a RTP tem toda uma componente de serviço público, emissoras de rádio e canais de televisão sem publicidade ou com restrições, a título de exemplo, a indemnização compensatória paga à RTP ascende a 125 milhões de euros, valor superior ao total de receitas publicitárias da SIC em 2007 (116 milhões de euros).

Os Formatos e os Resultados para as Multinacionais do Sector

Uma parte considerável dos programas transmitidos na TV é composta de formatos adquiridos a multinacionais como a Endemol, Fremantle ou Celador. Não sendo os formatos propriedade das estações de televisão, é também necessário articular os serviços interactivos e repartir receitas com estas empresas.

A participation TV tem assumido um papel crescente nos resultados das grandes produtoras de formatos, de tal forma que, se inicialmente cada televisão concebia o seu conceito local de serviços interactivos para os programas, actualmente esta área é já uma aposta clara e feita de raiz pelas multinacionais, que desenvolvem formatos com os serviços interactivos já desenhados.

Analisando os dados de um dos principais players deste mercado, a Endemol, nos resultados globais de 2006, o segmento “Digital Media” representou 12,3 % de um turnover de 1.117 milhões de euros, alcançando pela primeira vez um peso superior a 10% deste. A participation TV (uma das componentes do segmento digital media) registou mais de 220 milhões de participações entre SMS e IVR. Nos resultados do primeiro semestre de 2007, o segmento Digital Media, registou um aumento de 34% face ao período homólogo de 2006, comprovando o crescimento contínuo deste mercado. Apesar de alguma descredibilização verificada na Europa, motivada com a publicação de alguns escândalos relativos à Participation TV, verificaram-se resultados muito positivos em Espanha (Antena3, Telecinco e Cuatro) e nos EUA.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Interactividade: O mercado e a Evolução

O Princípio

A ideia de envolver os telespectadores nos programas de TV não é nova. Em Portugal, todos nos recordamos de programas como “Agora Escolha”, “Você Decide” ou mesmo o milionário “Casa Cheia” onde, a partir de casa, se poderiam ganhar prémios que ascendiam aos 30.000 contos. A televisão há muito tentou envolver o seu público, tentando transformar o seu broadcast numa experiência bidireccional. Todos nos recordamos igualmente da fantástica experiência das “piscinas” de postais para selecção de concorrentes ou dos rótulos das embalagens que eram enviados para a TV, ao invés de colocados no caixote do lixo. Uma interactividade assíncrona, utilizando os correios, que prendia milhares à TV na esperança que o seu rótulo saltasse da piscina para a mão da sempre simpática “mergulhadora”.

Como os telemóveis aproximaram o público da TV

Os telemóveis, como um meio de comunicação pessoal, ao contrário dos telefones fixos, vieram assumir-se como o meio ideal para estabelecer a comunicação com o telespectador. Os SMS depressa se tornaram numa forma eficaz e rentável de envolver a audiência, primeiro com mensagens para tickers e votações, depois com serviços mais evoluídos, como Quiz’s e outros. Em Portugal, a RTP, foi pioneira neste tipo de serviços, introduzindo jogos para os telespectadores nos seus concursos, alguns exemplos, nos quais tive o privilégio de colaborar, foram: “Um Contra Todos”, “Quem Quer Ser Milionário”, “O Preço Certo”, entre outros. Mais tarde, com um modelo de negócio bem mais vantajoso que os SMS, o IVR, com os números 760, tornou-se na grande aposta das TV’s.

Um fenómeno global

Em todo o mundo, a explosão deste tipo de serviços, conhecidos como Participation TV, foi enorme, existem exemplos em todo o globo, alguns casos são a versão árabe de “Ídolos” (Líbano, Jordânia e Síria) que recebeu cerca de 4 milhões de votos; na Noruega, país com 5,2 milhões de habitantes, foram contabilizados 3,3 milhões de votos; na Índia, registaram-se mais de 10 milhões de registos diários para participação no “Quem Quer Ser Milionário”.

Em 2004, também quis fazer parte da globalização deste fenómeno e rumei ao Brasil, onde colaborei na criação e desenvolvimento da área de novos negócios do SBT, a segunda maior estação brasileira.

Com o sucesso das novas plataformas multimédia e com o aumento da oferta televisiva, o público passou a assumir um controlo maior sobre o seu consumo de media. Envolver o público passou a ser um factor crítico de sucesso, com grande visibilidade nos reality shows, onde o voto de casa passou a traçar o rumo dos concorrentes, em substituição dos tradicionais júris.
O público aderiu em massa a esta nova experiência e não perdeu a oportunidade de enviar mensagens, através dos novos canais abertos, para o outro lado do electrodoméstico completamente surdo que vivia no meio da sala. Os telespectadores sentiram-se privilegiados ao receber e trocar mensagens com a TV.

As principais responsáveis pela criação de formatos televisivos passaram a pensar e desenvolver este tipo de serviços de raiz, de uma forma integrada com o próprio formato.

Serviços

Alguns exemplos de serviços realizados:

  • Votação (concursos musicais, reality shows, etc);

  • Quiz com a tradicional pergunta de conhecimento geral ou modelos mais originais do género adivinhe a que corresponde esta imagem (cidade, personagem, etc) ou que som é este (animal, instrumento, etc);

  • Text-to-screen, envio de mensagem para rodapé;

  • Jogos com prémios em dinheiro, por exemplo, acertar na pontuação que o concorrente vencedor do programa vai ter, sortear um número de segurança social ou de telefone;

  • Acções específicas de fidelização de telespectadores, como por exemplo, em determinada faixa horária ir divulgando vários algarismos, no final, com o número completo o telespectador envia uma mensagem (ETV – África do Sul);

  • Jogos durante a madrugada;

  • ChatTV (teletexto ou emissão);

  • Outros serviços como o Meister Lampe da RTL: um "desenho animado" lê as mensagens dos telespectadores.

Factores Críticos de Sucesso

A interactividade aproximou o telespectador da acção a decorrer no ecrã, transformando a habitual assistência passiva e envolvendo-o activa e emocionalmente no decorrer do programa, levando-o a sentir-se parte do mesmo e, possivelmente, a influir no decorrer do mesmo.
O estado emocional do telespectador durante o programa, seja na votação para a escolha de um concorrente favorito, seja no decurso de um jogo de futebol, será um factor determinante na venda por impulso de serviços de valor acrescentado ao telespectador. Quanto maior a carga emocional associada, maior será certamente o retorno e a resposta aos estímulos lançados.
Também os prémios, como não poderia deixar de ser, são um factor crítico para o sucesso de muitos passatempos. Quanto mais fácil pareça ganhar, mais se sentirá o público tentado a participar.
Serviços de compreensão simples, com regras claras e a facilidade de participação contribuirão também para melhores resultados. A complexidade afasta a participação, na dúvida o telespectador não participa. A mensagem/apelo à participação deverá também ser clara e directa, seja através de um infografismo ou de um apelo do apresentador. Também a capacidade de utilização da tecnologia, como os telemóveis, e a adequação ao público-alvo serão factores fundamentais no sucesso. O nível sociocultural do mercado em questão e as características do público-alvo do programa têm de ser tidos em consideração. Não alcançará, certamente, um bom resultado um serviço de SMS que compreenda o envio de uma mensagem de texto complexa, no âmbito de um programa da tarde, onde a maioria dos telespectadores terão mais de 55 anos, de igual forma, num país onde o nível de literacia seja reduzido, os serviços lançados terão de ser simples. Seja qual for o mercado, existirá sempre uma curva de aprendizagem na utilização dos serviços.
O custo associado à participação influenciará também o nível de retorno. Este factor será influenciado por duas variáveis, a relação custo/benefício para o espectador e a percepção relativamente a serviços similares.

Em síntese:

  • Emotividade subjacente ao programa;

  • Prémios;

  • Associação a factores emocionais do público (por exemplo; clube de futebol, sexo, …);

  • Simplicidade, facilidade de compreensão e participação;

  • Comunicação eficaz e adequação ao público-alvo;

  • Custo de Participação.

Os erros e o respeito pelo público

A interactividade ou Participation TV, tem um imenso potencial de crescimento, porém, facilmente este mercado pode ser afectado e cair em descrédito se não houver um forte respeito e preocupação com o público. Um exemplo de erros a não repetir foi o caso inglês, onde vários casos trouxeram desconfiança relativamente a este tipo de serviços. Votações que encerraram mais cedo do que o previsto, não tendo o público sido avisado; falsas chamadas feitas a partir do estúdio simulando um telespectador; apelos à participação depois de ter sido apurado um vencedor; são inúmeros os casos que abalaram os canais britânicos, não só privados mas também a BBC. Além do mais, não podemos esquecer que está em causa a imagem e credibilidade da empresa, seja uma estação de televisão, rádio ou imprensa.

Nos EUA a Mobile Marketing Association elaborou um manual de best-practices que tenta enquadrar os serviços de valor acrescentado (http://www.mmaglobal.com/bestpractices.pdf). Ao auto-regular-se, o mercado está também a proteger-se antes que as autoridades reguladoras nacionais o façam de forma mais severa, podendo mesmo colocar em causa a existência ou viabilidade financeira de certo tipo de serviços. Outra forma de conferir credibilidade aos serviços é recorrer a auditorias e certificações.